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Um Estado Melhor - Guião para a reforma do Estado

Proposta do Governo, aprovada em Conselho de Ministros de 30 de Outubro de 2013

Em Outubro de 2012, durante umas jornadas parlamentares do PSD e do CDS-PP, o Primeiro-ministro Passos Coelho lançou o tema da refundação do Estado. Em Fevereiro de 2013, Passos Coelho anuncia que o guião da reforma vai ser preparado por Paulo Portas, então Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Os anúncios deste documento sucederam-se mas a sua apresentação foi consecutivamente adiada. Finalmente foi apresentado a 30 de Outubro de 2013 pelo vice-primeiro-ministro, Paulo Portas.
De referir que a versão original deste documento tem um tamanho de letra e espaçamento de linhas invulgarmente grandes. O seu conteúdo fica para apreciação de cada um.

Conteúdo

  1. Introdução: a emergência financeira e as lições aprendidas
    1. Causas do resgate
    2. Condicionantes da redução da despesa
    3. As obrigações do Tratado Orçamental
    4. Relação entre despesa pública e carga fiscal
    5. Consensos para uma política de Administração Pública
  2. Reformar é diferente de cortar
    1. Mudar de modelo é diferente de cumprir metas
    2. As reformas já feitas: um processo contínuo
    3. Flexibilizar para melhorar a economia
    4. Preservar e viabilizar o Estado Social
    5. Dar espaço ao crescimento do Produto
  3. Um Estado moderno no século XXI
    1. Nem estatização nem Estado mínimo
    2. Reforma dos Ministérios: estruturas partilhadas e reforço das capacidades técnicas
    3. Agregar municípios, mais descentralização de competências
    4. Evitar EP e PPP
    5. Funções de Soberania: um Estado forte não é um Estado pesado
    6. As funções de regulação, supervisão e inspecção: economia de mercado não é protecção dos incumbentes
    7. Fomento económico: apoiar e conceder
    8. Educação: propostas de autonomia, liberdade de escolha e escolas independentes
    9. Melhor acesso à cultura
    10. Segurança social: condições para uma reforma equilibrada
    11. Saúde: propostas de eficiência para garantir a universalidade do acesso
    12. Cuidar da viabilidade e sustentabilidade futura do SNS
    13. Os eixos da reforma na Saúde
  4. O sentido útil da reforma do Estado: reduzir a carga fiscal e reduzir a burocracia
    1. Simplificar a relação dos cidadãos e das empresas com o Estado
    2. A importância de um desagravamento fiscal
    3. O IRC tem de ser competitivo e estável
    4. Comissão de reforma do IRS: valorizar o trabalho e proteger a família
    5. Fiscalidade verde
    6. Desburocratizar e organizar um Simplex 2
    7. Um Estado pós-burocrático
  5. Fontes
    1. Ficheiro Original
  6. Comentários

1. Introdução: a emergência financeira e as lições aprendidas

1.1. Causas do resgate

A redução da despesa do Estado é um imperativo externo e interno de Portugal. O pedido de ajuda externa que o nosso país foi obrigado a fazer, atirou-nos para uma situação em que perdemos autonomia financeira e ficámos com uma soberania orçamental seriamente limitada. A crise portuguesa de 2011 teve causas e, claro, teve consequências.

Nas causas, o excesso de despesa produz défice excessivo e o défice excessivo constitui – isso hoje ainda acontece – um lastro e um peso para uma dívida pública que temos de reduzir para ser sustentável. Cada ponto a mais no défice aumenta a dívida.

A situação de partida, que conduziu ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro, foi um défice que, em 2010, fechou em 9,8% e uma dívida pública que, em 2011, chegou a 108%. Dois anos depois, o défice baixou para 5,5% - meta acordada no PAEF - a dívida inevitavelmente subiu, pela acumulação e financiamento dos défices e por consequência da reclassificação da dívida das Empresas Públicas. Só em 2014, essa mesma dívida conhecerá uma primeira inversão de tendência. O país entrou em emergência financeira com o resgate de 2011; essa emergência está a ser vencida mas ainda não está terminada.

No domínio das causas, a evidência de que Portugal teve um crescimento anémico desde o início do século conduziu, por um lado, à constatação de que uma política despesista não gera, per si, crescimento suficiente nem duradouro e, por outro, à necessidade, tardiamente estimulada por imperativos externos, de fazer reformas estruturais. Numa economia global, só essas reformas tornam Portugal mais competitivo e podem fazer do nosso país um vencedor no campeonato do crescimento. No processo de ajustamento orçamental, reformar para crescer significa, também, crescer para melhor consolidar, por via da progressiva retoma da actividade económica.

É de assinalar que as opções assumidas de estímulo à economia, essencialmente por via do investimento público, revelaram-se muito pouco reprodutivas e sustentáveis, quando analisado o seu impacto na promoção do emprego, e na resposta das taxas de crescimento a esses estímulos. Quando as receitas geradas já não eram suficientes para acomodar os encargos crescentes, o investimento público passou a estar refém da assumpção de encargos futuros, financiados com recurso ao endividamento externo, o que contribuiu para um agravamento dramático da nossa dívida, até por não haver contrapartida numa geração incremental de riqueza que pudesse amortizar o custo dessas opções.

1.2. Condicionantes da redução da despesa

As consequências do resgate, todos os Portugueses as conhecem. Exposto a uma situação de crise económica europeia, aos efeitos da globalização e da agressividade dos mercados emergentes - sem dispor de instrumentos de política monetária e cambial própria, e sofrendo as consequências da “pirâmide etária invertida” - o nosso país teve de fazer um ajustamento em circunstâncias dificílimas. Como era inevitável após o resgate, esse ajustamento foi penalizador dos rendimentos das famílias e das empresas e viu o desemprego crescer para níveis muito preocupantes, a que a sociedade portuguesa não estava habituada e que causam justificado alarme social.

A situação de emergência financeira levou a um conjunto de efeitos políticos, económicos e sociais que, legitimamente, a sociedade portuguesa não deseja repetir.

Desde logo, o efeito na soberania política. Após a assinatura do Memorando de Entendimento com CE, BCE e FMI, o Estado Português viu severamente limitada não apenas a sua soberania orçamental e económica, mas o núcleo essencial da sua soberania política. Na verdade, os três anos de Programa de Ajustamento são três anos em que a dependência dos credores obriga à adopção de políticas e metas que são negociadas externamente, ficando o financiamento do país sujeito a condição de cumprimento. O sentido principal da superação da emergência financeira é exactamente a recuperação dessa parcela de soberania política que o resgate suspendeu. Nesse plano, qualquer reforma do Estado terá como primeiro objectivo ajudar a restabelecer e a manter a soberania de Portugal.

Do ponto de vista do modelo de ajustamento, não tendo o actual Governo negociado o Memorando, recebeu, no entanto, o encargo de o cumprir, sendo evidente que só uma atitude globalmente cumpridora melhoraria a confiança no nosso país. Circunstâncias como aquelas que Portugal viveu, em 2011, não admitem demasiadas hesitações. E quando um Estado fica sob assistência externa, a sua fragilidade só diminui à medida que aumenta a convicção de que estará em condições de poder financiar-se autonomamente.

Quatro factos devem ser assinalados neste percurso que, naturalmente, não foi, nem é, isento de dificuldades.

Em primeiro lugar, não há qualquer possibilidade de superar a emergência financeira sem reduzir a despesa pública; e não há qualquer possibilidade de reduzir a despesa pública sem ter impacto nos salários das Administrações Públicas e nas aposentações do Estado. É sabido que o conjunto de despesas que envolvem esses salários e as prestações sociais significam cerca de 76% da despesa primária. Nas rúbricas remanescentes, o Governo eliminou desperdícios, reduziu verbas e cortou investimentos. Só em consumos intermédios o Governo reduziu, até 2013, cerca de 1000 ME; fomos; forçados a diminuir o investimento público para níveis muito baixos; travámos quaisquer novas PPP, mas ainda temos de suportar efeitos contratuais, inclusivé internacionais, de Parcerias Público-Privadas irresponsavelmente decididas, que têm impacto financeiro agravado a partir de 2014.

Por isso, com obrigações de redução do défice que implicam elevados montantes, seria ilusório pensar que as áreas do funcionalismo público e das aposentações públicas, representando directamente cerca de 30% da despesa, poderiam não ser abrangidas no contributo para o esforço global.

Outro aspecto que reflecte a dimensão da emergência financeira é o da sustentabilidade dos próprios sistemas públicos. Quando se critica ou objecta, por exemplo, a necessidade de uma convergência entre as regras de formação das pensões na CGA face ao regime geral, esquecem-se frequentemente dados objectivos. Não sendo o regime previdencial português de capitalização, a verdade é que as contribuições recebidas pela CGA não excedem, anualmente, cerca de 4100ME; mas o nível de pagamentos que têm de ser feitos todos os anos é de cerca de 9200ME. Por sua vez, se compararmos o dispêndio em salários das Administrações Públicas com o volume de impostos arrecadados, chegaremos à conclusão de que a totalidade da receita em IRS e IRC – os impostos pagos por trabalhadores e empresas, exceptuando, para efeitos comparativos, os que têm origem nos descontos dos funcionários públicos – não chegam senão para pagar 90% da folha salarial do Estado.

Acresce que um dos debates mais frequentes no nosso espaço público – o debate sobre a possibilidade de reduzir, com moderação e equidade, salários e pensões em pagamento no Estado – passa ao lado do imperativo de cumprir obrigações externas assumidas e depara com uma realidade factual ineludível. Se fosse feita uma leitura estrita, assente apenas nas expectativas e direitos adquiridos, e o Governo remetesse apenas para futuro todas e quaisquer poupanças em salários e aposentações do Estado, o valor que se obteria, por exemplo na parcela da convergência da CGA com o regime geral, não excederia os 20ME. Ora, isso significaria que Portugal não conseguiria, nem de perto, cumprir os objectivos orçamentais, o que teria efeitos extremamente nefastos quanto à nossa saída do programa de assistência.

Enfim, importa ter presente que a direcção do ajustamento foi sofrendo os efeitos próprios das decisões do Tribunal Constitucional sobre as medidas propostas. Decisões, obviamente, legítimas mas nem por isso sem consequências. É sabido que o Governo quis, primeiro, operar ao nível dos dois subsídios de férias e de Natal, e depois apenas em um. O Tribunal não considerou nenhum desses caminhos elegível. Daí decorreu o aumento da carga fiscal, nomeadamente em sede de IRS. É também sabido que o Governo propôs, em certas condições, reforçar a mobilidade especial nos organismos do Estado, em termos do vínculo do funcionário. O Tribunal Constitucional não considerou aceitável esta formulação. O duplo efeito destas decisões, cuja legitimidade, evidentemente, se respeita, foi a redução drástica da margem de manobra disponível para a compressão da despesa: não podendo diminuir-se as remunerações do 13º e 14º meses, nem podendo tocarse no vínculo ao Estado, não se vislumbra outra possibilidade de comprimir a despesa neste sector que não seja revendo, com proporcionalidade e em função dos rendimentos, os níveis salariais praticados. A alternativa seria não cumprir o Memorando subscrito com a troika.

Aliás, a necessidade de conter a despesa pública e de libertar recursos para o crescimento da economia real não terminam em Junho de 2014. Isso reforça a importância - auxiliar mas estruturante - da reforma do Estado.

1.3. As obrigações do Tratado Orçamental

A emergência financeira tem um calendário próprio: Portugal deve estar em condições de se financiar em mercado quando o PAEF terminar, em Junho de 2014.

O fim do ciclo de assistência externa poderia levar a supor que o nosso país, a partir desse momento, poderia regressar às políticas económicas anteriores a 2011, com um modelo de desenvolvimento assente na expansão da despesa e no endividamento progressivo. É necessário esclarecer que a disciplina das finanças públicas portuguesas constitui um ponto de não retorno.

Desde logo, porque as normas do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária – aprovado na Assembleia da República com os votos favoráveis dos partidos do chamado “arco da governabilidade” – implicam um caminho decisivo para o equilíbrio orçamental. É essa a regra do futuro, por comparação com a frequente violação dos limites anuais do défice (Portugal teve, no espaço de 10 anos, dois procedimentos por défice excessivo); e por contraste com uma acumulação de dívida pública a níveis muito para além do consentido pelos Tratados (Portugal, em 2004, tinha um rácio de dívida de apenas 62% sobre o PIB).

Os artigos 3º e 4º do Tratado já citado apontam para um limite obrigatório do défice estrutural de 0,5% por ano, e para uma dívida pública que deverá retornar à casa dos 60% do PIB. Não estamos aqui perante objectivos que Portugal tenha sido forçado a aceitar, em face da dependência dos credores. Estamos aqui no domínio exato da partilha voluntária da soberania: a Europa, e em especial a zona euro, aprendeu com as lições da crise das dívidas soberanas, e estabeleceu regras comuns que suportam políticas coordenadas nos países do euro. O que quer dizer que não é simplesmente possível “ser euro” e voltar ao despesismo e à dívida excessiva.

Terminada a emergência, Portugal será certamente mais soberano e autónomo para escolher as suas políticas e o modo de atingir os objetivos que, em conjunto, partilha com os demais países do euro. Mas teremos certamente ainda um caminho a fazer, em direcção ao equilíbrio orçamental de médio e longo prazo.

A demagogia é, portanto, incompatível com as regras de pertença de Portugal ao euro. Essa é mais uma razão que determina a necessidade de fazer reformas estruturais no Estado, capazes de suportar estavelmente uma despesa consentânea com a riqueza gerada; e, por outro lado, um caminho para o equilíbrio orçamental, mais apoiado no crescimento económico.

1.4. Relação entre despesa pública e carga fiscal

Deve distinguir-se com nitidez a necessidade de comprimir despesa no Estado, em pouco tempo e com restrições impostas pelos credores, da persistência, em tempo e condições normais, de medidas que impliquem um grau de desvalorização de salários ou pensões públicas.

O Governo tornou claro, tanto na questão da convergência da CGA como na questão da tabela salarial das Administrações Públicas, que a possibilidade de corrigir, pelo menos parcialmente, a perda de rendimento dos trabalhadores e aposentados em causa dependia da existência de condições de crescimento económico sólido e continuado em Portugal. Daqui decorre que os “cortes” não são uma escolha permanente, mas a sua revisão depende de um cenário macroeconómico com níveis de crescimento que temos de atingir, mas que ainda não estão ao nosso alcance.

Para alcançar esses níveis de crescimento será, certamente, um precioso auxiliar a redução da carga fiscal sobre as famílias e as empresas. O processo da reforma do IRC, ainda no ciclo do ajustamento, corresponde a um primeiro passo urgente, visando, sobretudo, a atracão de investimento e a promoção do emprego.

Sucede que há uma relação bastante directa entre o nível de despesa pública e o nível de carga fiscal. Amiúde, no espaço público português, dá-se por adquirido que, num caso e noutro, Portugal se encontra na média europeia. Daí decorreria a conclusão – ilusória – de que Portugal não teria um problema com a despesa, nem teria um problema com a carga fiscal. No entanto, se incluirmos nos comparativos o indicador que mede em paridade de poder de compra – ou seja, mede despesa e carga fiscal portuguesas tendo em atenção o nosso nível de vida – a conclusão pode ser diferente. Neste enquadramento, Portugal tem uma despesa pública per capita – ajustada pela paridade do poder de compra - entre as mais elevadas da UE (mais de 30% acima da média). Do lado do esforço fiscal, o mesmo exercício coloca Portugal, também, entre os mais altos da UE (cerca de 20% acima da média). Neste sentido, Portugal tem uma despesa excessiva, olhando os nossos rendimentos, e os contribuintes portugueses fazem dos esforços mais exigentes da UE, observando também o seu nível de vida.

Parece evidente a necessidade de reduzir estruturalmente a despesa para suportar a moderação da carga fiscal; e parece igualmente pertinente a redução da carga fiscal para acentuar o crescimento económico, único factor que permitirá, por exemplo, corrigir aspectos da perda de rendimento tanto na função pública, como na CGA.

Também neste plano, o aprofundamento da reforma do Estado pode ajudar, do ponto de vista estrutural, a ganhar eficiência e a reduzir desperdício na despesa pública. Isso facilita um caminho que, sendo exigente, é viável. Menos despesa estrutural significará menos carga fiscal; e quanto maior for o crescimento económico, maior será a possibilidade de correcção do ajustamento nos funcionários e aposentados do Estado.

1.5. Consensos para uma política de Administração Pública

A evidência de que o Governo foi forçado a tomar medidas para cobrir a emergência financeira, actuando várias vezes contra a sua intenção inicial, mas cumprindo, naturalmente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional, aconselha a uma meditação sobre os instrumentos políticos de que o país dispõe, para poder responder aos desafios da sua integração e participação plenas na zona euro, sobretudo tendo em atenção o período pós-troika.

No debate europeu, é uma opinião disseminada que muitos países que têm a chamada “regra de ouro” da disciplina orçamental inscrita na lei fundamental – por exemplo, Espanha -, ficaram mais protegidos da dureza dos resgates, oferecendo maiores garantias de estabilidade política e conformidade constitucional às instituições e aos mercados, facto fundamental para a recuperação da confiança.

É hoje uma questão praticamente do passado saber se Portugal teria atravessado melhor o Programa de Assistência com uma revisão constitucional cirúrgica, que tivesse enquadrado a vigência e as medidas previstas no Memorando de Entendimento numa leitura dinâmica da lei fundamental, levando em conta a excepcionalidade do resgate e as consequências trágicas que teria uma insolvência sem imediato apoio externo. Mas já não será uma questão irrelevante para o futuro saber se, nomeadamente os Partidos do “arco da governabilidade”, estão disponíveis para um esforço suplementar que permita tornar evidente, e desprovido de controvérsia interna, um conjunto de regras, escolhas e consensos que são relevantes para o Portugal pós-2014, que será, necessariamente, um Portugal em coerência com as regras europeias.

Não antecipando debates que a seu tempo terão lugar sobre a eventualidade e a forma do que possa vir a ser um programa cautelar, como “rede de segurança” do regresso do nosso país ao financiamento em mercados, o que parece certo é que devemos procurar, por iniciativa e decisão que é soberana e nossa, em nome de uma visão nacional – decidida por nós, Portugueses -, alguns consensos sobre o que são as linhas orientadoras do futuro do Estado, da economia e da sociedade.

Apesar do actual nível de crispação política ser elevado, em manifesto contraste com a melhoria da percepção externa sobre Portugal, o Governo, os partidos políticos e os parceiros sociais, deveriam estar disponíveis, em 2014, para procurar alguns acordos que constituíssem sinais inequívocos e consistentes de que Portugal não apenas superou a emergência financeira, como está comprometido com o objectivo europeu de redução da despesa estrutural.

Neste quadro, seria vantajoso para todos um entendimento em matérias como as seguintes:

  • no plano da lei fundamental, a constitucionalização da “regra de ouro” da disciplina orçamental, após o fim do PAEF, em pertinente coerência com as regras europeias. Não tendo o Governo poder de iniciativa em matéria de revisão constitucional, apenas declara a sua convicção de que essa introdução da “regra de ouro” na lei fundamental beneficiaria o interesse nacional;
  • no plano da estratégia orçamental plurianual, deverá ser consensual a definição do objectivo de Portugal ter um saldo primário positivo, assegurando a redução da dívida e da despesa discricionária(isto é, a despesa excluindo o efeito dos estabilizadores automáticos);
  • no plano das políticas públicas, opção por um modelo de Administração Pública que tenha menos funcionários mais bem pagos. Esta opção permite focar a política transversal de Administração Pública na qualificação dos agentes;
  • em consequência, dar prioridade à procura de um consenso sobre o melhor procedimento legislativo que permita, em circunstâncias objectivas, flexibilizar o vínculo do trabalhador em funções públicas com o Estado;
  • em contrapartida, abertura para negociar o tempo e as condições em que, num ciclo de crescimento económico que se aproxima, poderá recuperar-se, pelo menos gradual ou parcialmente, rendimento dos funcionários e aposentados do Estado;
  • o programa das rescisões por mútuo acordo deve ser uma possibilidade permanente, ou seja, um instrumento estável e voluntário de auto-reforma e renovação do Estado;
  • a negociação de legislação reformista sobre promoção do trabalho a tempo parcial e da reforma a tempo parcial, como opções complementares, face à contração salarial e à requalificação;
  • negociação de uma política coordenada entre reformas antecipadas nas Administrações Públicas, objectivos de redução da despesa com pessoal através da requalificação, rescisões e trabalho e reforma a tempo parcial, e os necessários, embora limitados, indicadores de renovação e contratação, nas Administrações Públicas, de modo a garantir o rejuvenescimento do Estado e dos seus serviços;
  • atenção redobrada à renovação do pessoal técnico especializado no Estado, mediante o desenvolvimento de programas de estágios e recrutamento, para garantir a qualificação das funções públicas;
  • entendimento sobre a revisão do modelo de avaliação dos funcionários públicos, tendo em vista torná-lo mais simples, mais incentivador do mérito e mais recompensador dos serviços com melhor desempenho;
  • obrigação, em função da coordenação de políticas e instrumentos citados, de os Ministérios e organismos do Estado estabelecerem, anualmente, com antecedência e planeamento, os objectivos de contratação, não tanto numa lógica de carreira mas de postos de trabalho, em concreto, correspondentes a necessidades específicas;
  • restrição das acumulações dentro do sector público e entre os sectores público e privado, por razões éticas, de eficiência e mesmo de criação de emprego;
  • investimento nos meios de combate à corrupção, avaliação das questões de conflito e registo de interesses, no quadro das funções decisórias e consultivas nas Administrações.

2. Reformar é diferente de cortar

2.1. Mudar de modelo é diferente de cumprir metas

Esclarecidas as circunstâncias excepcionais em que Portugal teve - e ainda tem - de tomar medidas de compressão de despesa, ganham enquadramento próprio os projectos de reforma do Estado.

O que distingue os dois exercícios é evidente. Os cortes na despesa do Estado são instrumentos necessários à reforma do Estado, mas não são a sua finalidade.

“Cortar” é reduzir; reformar é melhorar. “Cortar” é cumprir metas; reformar, é mudar de modelo. “Cortar” é uma consequência dos erros passados, reformar pode e deve ser a condição para acertar no futuro. “Cortar” obedece a uma restrição orçamental. Reformar cria condições para, estruturalmente, o Estado ser menos pesado e a sociedade ser mais forte.

2.2. As reformas já feitas: um processo contínuo

A reforma do Estado é um processo contínuo e coerente. Não começa agora nem se esgota num documento global. O que neste guião se pretende é apontar caminhos e orientações para uma atitude reformista no Portugal pós-troika. Precisamente por isso, é preciso colocar em perspectiva o esforço reformador já realizado nos últimos dois anos. Comecemos pelas alterações que são reforma do Estado no sentido mais estrito.

Reformar o Estado, é criar condições institucionais para um padrão de finanças públicas saudáveis: alterou-se a lei de estabilidade orçamental, criou-se um novo regime de compromissos, foram modificadas as leis de finanças no âmbito regional e local, foi revisto em profundidade o quadro legal do sector empresarial do Estado – central e local - e o Estatuto do gestor público.

Reformar o Estado, é continuar a privatizar e, portanto, retirar o Estado de participações empresariais que não fazem parte das suas funções nucleares: EDP, REN e ANA são exemplos de privatizações bem sucedidas, com um nível de receita superior ao estimado, contribuindo para abater dívida pública. Foi reduzido em 40% o sector empresarial local.

Reformar o Estado, é inovar substancialmente na forma, processo e critérios da escolha dos dirigentes dos organismos públicos, mediante a instituição da CRESAP, de modo a avançar na despartidarização das nomeações e na salvaguarda do mérito e da qualidade na designada “alta administração”.

Reformar o Estado, é racionalizar as suas entidades. O primeiro passo foi dado com o PREMAC, que extinguiu, fundiu ou alterou 168 entidades, e diminuiu cerca de 1700 cargos dirigentes. Do mesmo modo, fez-se o primeiro censo das fundações, e foi criado um quadro jurídico que passou a reger a relação destas instituições com o Estado, sendo efectuadas alterações nos subsídios atribuídos a 132 instituições e eliminadas as transferências financeiras para 193.

Reformar o Estado, é ganhar eficiência. Nesse plano, a introdução das 40 horas no regime laboral da Administração Pública, em sintonia com o praticado no sector privado, bem como novas fórmulas de mobilidade, qualificação e rescisão por mútuo acordo, visaram flexibilizar a política de recursos humanos do Estado.

Reformar, é incentivar a excelência na Administração Pública através de mais e melhor formação aos seus trabalhadores. Neste contexto, foram celebrados vários acordos com universidades para programas de formação de quadros e dirigentes da Administração Pública, sem encargos para o Estado.

Reformar o Estado, é reforçar a política de concorrência, para garantir a função reguladora numa economia de mercado. As novas leis da concorrência e das entidades reguladoras têm um objectivo: defesa de mercados mais transparentes, restrição de práticas abusivas. O mesmo se refira quanto à definição legal de boas práticas e sanção de abusos na relação entre parceiros económicos – produção e distribuição – no sector agro-alimentar.

Reformar o Estado, é simplificar procedimentos. Nesse plano, os novos regimes de licenciamento industrial, ambiental, pecuário ou florestal, tal como a agilização dos regulamentos dos equipamentos sociais, são elementos críticos, necessários mas não suficientes, de redução da burocracia económica e social.

Reformar o Estado, é tornar a justiça mais amiga do cidadão e da economia. Neste sector, que já finalizou as obrigações contidas no Memorando, alterou-se o Código do Processo Civil para reduzir formas de processo, mudou o regime das insolvências, procurando aproveitar das empresas o que elas podem dar, e simplificou-se a acção executiva. Também a revisão do mapa judiciário, a criação do tribunal especializado da concorrência, os regimes de arbitragem voluntária, mediação e julgados de paz, seguem a orientação de políticas públicas de reforma.

Reformar o Estado, é também democratizar a autonomia das escolas e reforçar a autoridade do professor no novo estatuto do aluno. Concluíuse um regime descentralizado de gestão escolar e a rede escolar teve de ser reordenada, tendo em conta as contingências demográficas e territoriais. Fez-se uma opção pública pela exigência, com a instituição de exames nacionais no final dos ciclos escolares, reforço do Português e da Matemática nos currículos e densificação nas metas curriculares. Estabeleceram-se critérios de transparência na gestão dos recursos da ciência e de maior justiça no estatuto do bolseiro de investigação.

Reformar o Estado, é, na área social, desenvolver uma política de maior contratualização com as IPSS. Destinar recursos ao Plano de Emergência Social e à resposta da emergência alimentar. Em tempo de desemprego, incluir na proteção os pequenos e médios empresários e comerciantes e os trabalhadores independentes, tornar mais forte a rede de proteção do subsídio social de desemprego e majorar o apoio a casais desempregados. Em paralelo, reforçar o controlo e a função inspectiva em relação à fraude e aos abusos nas prestações, nomeadamente contrariando a margem de subsidiodependência no RSI ou aumentando o rigor nas faltas por doença.

Reformar o Estado, é não desistir da eficiência e reforçar a transparência. Na política de saúde, foram reorganizados os cuidados primários e o sistema hospitalar; acordou-se com os profissionais médicos um modelo de serviço nas urgências; definiram-se padrões de qualidade através de normas de orientação clínica; enfrentaram-se as rendas excessivas e consentidas na política do medicamento e avançou a prescrição por DCI; foram revistas as taxas moderadoras, colocadas a concurso as convenções e iniciado o processo de devolução de hospitais às Misericórdias. Aumentou o número de portugueses com médico de família e Desenvolveu-se a Plataforma de Dados de Saúde – reforçando o papel do cidadão, como utente e como escrutinador do sistema – e o alargamento do projeto piloto para disponibilizar aos utentes a nota informativa sobre o custo suportado pelo SNS nos cuidados de saúde prestados.

Reformar o Estado, é reestruturar a diplomacia, acentuando a sua componente económica. Integraram-se, por isso, as redes diplomática, comercial e turística, instituíram-se os planos de negócios nas embaixadas. Adaptou-se a rede externa às possibilidades do país e à evolução dos interesses nacionais, usou-se a tecnologia em favor de uma política de permanências consulares, iniciou-se a co-localização e estabeleceu-se um elo económico entre autorizações de residência e investimentos em Portugal.

Reformar o Estado, é modernizar a Defesa Nacional. Por isso aprovouse o novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional e está em curso o redimensionamento dos efetivos das Forças Armadas, a reforma da sua estrutura superior e do ensino militar, bem como a calendarização da programação militar de acordo com as possibilidades orçamentais. A mudança nos estabelecimentos fabris e viabilização de uma solução de parceria com o sector privado para os ENVC, preservando a nossa capacidade industrial naval, são opções de reforma.

Reformar o Estado, é adaptar as Forças de Segurança, privilegiando as suas componentes operacionais, legislando para enquadrar a vídeoproteção pública, e regulamentar a segurança privada. Foram reforçadas as plataformas de cooperação em termos de informação criminal. É ainda política de reforma, modernizar o sistema de proteção civil e dignificar a função e a proteção social dos bombeiros portugueses.

Reformar o Estado, é fundar e dotar a Autoridade Tributária de meios e instrumentos que permitam melhores resultados no combate à evasão e fraude fiscal, procurando que a base tributável seja abrangente e equitativa. Destaca-se a reforma da faturação, ou “E-fatura”, bem como o aumento da penalização dos crimes fiscais. Em contrapartida, no serviço à economia, apesar da restrição orçamental, criou-se o regime de IVA de caixa, procedeu-se a uma ampla proposta de reforma do IRC e lançou-se o chamado “supercrédito fiscal” em 2013.

Reformar o Estado, é tocar no mapa administrativo. A extinção dos Governos Civis, a nova configuração do mapa das freguesias e o reforço da cooperação intermunicipal, vão nesse sentido.

2.3. Flexibilizar para melhorar a economia

Mas também em sentido lato, ou seja, excedendo os limites da intervenção na Administração direta ou indireta do Estado, o Governo tomou, nos últimos dois anos, opções, nomeadamente por via legislativa, que visam, sobretudo, favorecer uma economia mais competitiva.

Neste domínio, adquirem especial significado a reforma do Código de Trabalho e a reforma da Lei do Arrendamento, pelo impacto que têm na mobilidade dos mercados laboral e habitacional. Acrescem alterações de monta no regime do trabalho portuário, com impacto nas exportações; ou ainda a validação dos contratos a termo, sobretudo no contexto de crise, bem como a opção pelo ensino dual e pela empregabilidade nos sistemas de formação.

São igualmente medidas de gestão que potenciam a eficiência económica, o facto de os pagamentos do PRODER feitos pela Administração terem passado a ser certos e previsíveis, bem como a recuperação dos níveis de execução desses fundos, decisivos para o investimento no mundo rural. Iniciou-se, também, a reforma da chamada “bolsa de terras” para dinamizar os territórios em abandono.

Estes cerca de 80 exemplos, sector a sector, de reformas no Estado e do Estado, tornam claro que o processo é permanente e coerente.

2.4. Preservar e viabilizar o Estado Social

Se todos sabemos que um Estado com demasiados custos só é financiável por impostos elevados, o caminho de reformar o Estado significa, em certo sentido, dar-lhe “cabimento” nos orçamentos familiares. Não é o cidadão que deve suportar os custos exagerados do Estado; é o Estado que tem de se conter e ser financiado por uma carga fiscal mais moderada. Esta regra é basilar para acreditar que a excepcionalidade, ao nível da receita, tem um fim.

O esforço de reforma deve ser feito com cuidado especial numa sociedade como a portuguesa, com demasiadas desigualdades. O elemento de sensibilidade social na ação política é, aqui, decisivo. As reformas no Estado devem ter em atenção os sectores mais vulneráveis e a necessidade de não nos resignarmos perante persistentes e preocupantes fenómenos de exclusão social. As reformas no Estado devem evitar generalizações sobre o trabalho da Administração Pública, estimulando e reconhecendo os que cumprem com brio o seu dever profissional.

É, aliás, por isso necessário afirmar que a maioria que apoia o Governo tem uma matriz identificada com o chamado “modelo social europeu”. O que também sabemos é que, nas actuais circunstâncias globais e europeias, os países que fizeram reformas são aqueles que melhor preservam os valores fundamentais desse mesmo modelo social europeu, assegurando a sua sustentabilidade.

Algo de semelhante se dirá, aliás, sobre o Estado Social: queremos fazer reformas para garantir a sua viabilidade; temos o objectivo político de o preservar. O nosso objectivo é reformar, pensando na coesão social e com abertura à negociação política e na concertação social, factores distintivos de Portugal neste tempo excepcional que estamos a viver. O pensamento social, em termos europeus, só por ironia pode ser invocado por aqueles que, década após década, contestaram a Europa e o projecto europeu. Mas um pensamento reformador deve ser atributo necessário de todas as forças políticas que constituem governos democráticos, do centro-direita ao centro-esquerda, que, na Europa, estão confrontados com a crise, conhecem as limitações económicas e demográficas, bem como os mecanismos institucionais de resposta a esta crise.

2.5. Dar espaço ao crescimento do Produto

Uma nova geração de reformas no Estado tem de ser coerente com a trajectória de garantir que há consolidação orçamental. Temos, no horizonte, um défice de 2,5% em 2015; e temos objetivos de médio prazo plasmados tanto no Tratado, como no Documento de Estratégia Orçamental. Assinale-se, ainda, a necessidade de retornar a nossa dívida pública a valores aceitáveis nas próximas décadas.

Mas é igualmente evidente que, para atingir objectivos plurianuais que têm mecanismos de monitorização na União Europeia, Portugal precisa de pensar não apenas no “numerador” – o défice – mas também no “denominador” – o produto. Os programas de ajustamento devem ter adesão aos factos económicos e, por isso, compreender os factos da economia real. Após 10 trimestres em recessão, Portugal poderá estar em vésperas de sair do ciclo recessivo. As previsões de crescimento para 2014 apontam para uma recuperação moderada, melhores indicadores de confiança, estabilização do desemprego e um forte contributo das exportações. O factor crítico continua a ser o investimento, essencial para a criação de emprego. É isso que justifica a opção prioritária para uma reforma do IRC, que o coloque entre os mais competitivos da União Europeia.

A margem de manobra do nosso país é aquela que é conferida pelo facto de sermos globalmente um país cumpridor. Foi isso que já permitiu uma redução na taxa de juro praticada, a importante extensão de maturidades dos nossos empréstimos e correções nas metas orçamentais estabelecidas. A percepção sobre Portugal melhorou significativamente; o nosso país, como a Irlanda, pode e deve ser um caso de ajustamento com um final positivo.

3. Um Estado moderno no século XXI

3.1. Nem estatização nem Estado mínimo

Abrir um debate nacional sobre o que devem ser as tarefas do Estado no século e no mundo em que vivemos, implica revisitar as suas funções, distinguir entre a tutela dessas funções e a sua execução em concreto, perceber que as reformas no Estado podem constituir uma oportunidade para termos uma sociedade civil com mais responsabilidades e oportunidades, e não esquecer que muitas políticas são hoje soberania partilhada no quadro da União Europeia.

Na verdade, as funções de um Estado que queremos mais moderno não podem ser a mera réplica de modelos anteriores, ajustada a limites orçamentais mais exíguos. O debate não deve ficar cristalizado entre a hipérbole da estatização, cuja ineficiência a história provou, e o chamado Estado mínimo ou Estado de mínimos, cujos conceitos esta maioria política não partilha. O objectivo é construir um Estado melhor.

O equilíbrio está em validar as funções que o Estado não deve delegar e procurar sustentabilidade naquelas que deve garantir directamente; em simultâneo, defendemos uma cultura de partilha de responsabilidade e iniciativa com a sociedade civil, que permita aumentar a escolha informada dos cidadãos entre diversas ofertas. Para isso, devemos desenvolver instrumentos inovadores e outros que não são novos em Portugal, mas que não têm o seu potencial esgotado: a contratualização de uma oferta mais diversificada, a concessão de serviços e bens, a “gestão pela sociedade ou pelas comunidades” de novas responsabilidades, são alguns desses instrumentos que, com o devido enquadramento legal, podem e devem ser maximizados.

O objectivo é tornar as Administrações Públicas menos pesadas, visando, ao mesmo tempo, reforçar o poder dos cidadãos, das famílias, das empresas e das instituições. É esse poder reforçado que caracteriza precisamente uma sociedade civil forte, e por isso, mais livre e dinâmica.

O propósito mais duradouro da reforma do Estado é, por isso mesmo, reforçar a confiança dos cidadãos portugueses no Estado e criar as suas instituições, na medida em que sejam capazes de assegurar condições que promovam a equidade, a estabilidade social, a liberdade, os direitos e os deveres dos cidadãos. Políticas sustentáveis geram confiança e instituições credíveis.

3.2. Reforma dos Ministérios: estruturas partilhadas e reforço das capacidades técnicas

Se o exemplo vem de cima, é preciso referir, desde logo, a necessidade de a própria organização dos Ministérios ser melhorada. Não se inscrevem aqui, naturalmente, opções de natureza política, quanto à orgânica dos Governos, competência que o povo delega em cada eleição, nos primeiros-ministros.

Mas devemos começar por inscrever reformas de nível intermédio que, a um tempo, são justificadas pela evolução tecnológica e, a outro, permitem direccionar melhor os recursos humanos das Administrações Públicas. Parte-se do reconhecimento de que cada Ministério não deve replicar necessariamente todas as funções que não sejam específicas do seu sector; e que há vantagem em partilhar funções e serviços, em contraste com o desperdício que se verifica na actual atomização.

Devendo estas reformas ser cuidadosamente preparadas, propõe-se que a modernização dos Ministérios seja iniciada em sete prioridades:

  • reforma gradual das secretarias-gerais, começando por unificar a função “pagamentos”. Há poucos argumentos que possam justificar a existência obrigatória de doze secretarias-gerais, quando algumas das suas atribuições são absolutamente comuns;
  • no quadro desta reforma gradual, propõe-se a integração gradual da “função jurídica e contenciosa”, de modo a reforçar e aproveitar melhor as capacidades existentes neste domínio relevante para a defesa do interesse público, reduzindo a prestação de serviços externos;
  • na área dos Gabinetes de Estudos e Planeamento, actualmente muito diferenciado e, às vezes, “descapitalizados” avançar para a integração das funções de prospetiva, planeamento, elaboração de políticas públicas e medição do seu impacto, preservando as necessidades específicas de cada Ministério. O Estado e a qualidade das suas políticas têm uma séria carência – às vezes em quantidade, às vezes em qualidade – nesta matéria, devendo a centralização gradual das funções mencionadas permitir ganhar escala e responder às necessidades transversais dos Governos;
  • concentração dos departamentos de relações internacionais dos Ministérios sectoriais. É desejável a unificação das relações externas e isso pode ser feito sem prejuízo, e até com benefício dos programas de cooperação externa de cada Ministério;
  • deve, ainda, ser seriamente equacionada a reforma da função inspectiva do Estado. Algumas Inspecções-Gerais têm demasiada especificidade para poderem ser integradas; outras não. Mas se é certo que um Estado menos pesado na economia deve acautelar devidamente, não apenas as funções reguladoras e de supervisão, como também as funções de inspecção, então fará sentido agregar inspeções e reforçar a sua autoridade e prestígio;
  • reconhecendo a importância da gestão centralizada das compras, do reforço dos serviços partilhados e da gestão dos serviços comuns, como instrumento de eficácia da AP, deve avaliar-se o grau de cumprimento pela ESPAP destes objetivos;
  • reforço dos instrumentos e programas de racionalização do património imobiliário do Estado, visando a redução do “Estado proprietário” (a alienação de imóveis), a redução do Estado inquilino (poupança de rendas) e a racionalização de espaço dos serviços públicos (com levantamento dos espaços não utilizados). == PREMAC 2: avaliação custo-benefício das entidades ==

Ao nível dos organismos do Estado, o Governo deve prosseguir uma política de contenção de custos e de racionalização da diversidade, porventura ainda excessiva, de institutos, agências, conselhos, comissões e observatórios que persistem no universo das Administrações, evitando duplicações e redundâncias funcionais. Por isso, o Governo deve preparar, no próximo ano:

  • um PREMAC 2, dirigido tanto à Administração direta como à indireta do Estado, incluindo o Setor Empresarial do Estado, tendo por objetivo fazer uma avaliação custo-benefício dos organismos e entidades que possam ser extintos ou melhor enquadrados;
  • deve ser promovido um programa equivalente ao nível das Administrações regionais e locais;
  • devem ser sinalizados, no âmbito desta iniciativa, as competências e serviços que podem ser mais eficientemente prestados aos cidadãos, uma vez descentralizados, desconcentrados ou sujeitos a um regime de prestação ou controlo simplificado ou digitalizado;
  • preparar a reforma dos Laboratórios de Estado, visando concentrar as instituições que podem ser concentradas, ganhar escala do ponto de vista das respetivas capacidades técnicas, acautelar fatores de competitividade específica, obter uma gestão mais eficiente do conjunto dos laboratórios e garantir melhor articulação com as políticas de investimento na ciência e na inovação.

3.3. Agregar municípios, mais descentralização de competências

Do ponto de vista territorial, e iniciado um novo ciclo autárquico, o Governo não deve deixar isolada a reforma das freguesias, e deve abrir um diálogo com a Associação Nacional de Municípios, visando:

  • a instituição, de preferência, com o máximo consenso interpartidário possível, de um processo de reforma dos municípios aberto e contínuo, que facilite e promova a sua agregação;
  • preparar novo processo de transferência de competências da Administração Central para os municípios e as entidades intermunicipais. O programa “Aproximar”, em curso, ajudará a consolidar este processo ambicioso de descentralização. Sem prejuízo de outras áreas a identificar pelo citado programa, devem poder considerar-se transferências em áreas como a educação, ainda sob responsabilidade central, serviços locais de saúde, contratos de desenvolvimento e inclusão social, cultura, participação na rede de atendimento público dos serviços do Estado, transportes e policiamento de trânsito onde se justifique. Este processo de transferência de competências deverá procurar maximizar a eficiência e a coesão territorial e implica a definição de regras de gestão e envelopes financeiros;
  • concluir, publicitar e colocar em discussão o estudo sobre a racionalização de serviços e equipamentos do Estado pelo território, de modo a obter uma matriz equilibrada e coerente nas reestruturações territoriais de funções públicas dos diferentes Ministérios, salvaguardando as características especiais dos territórios de baixa densidade.

Ainda na reforma do Ordenamento do Território, introduzir mecanismos de maior articulação, coordenação, transparência e eficiência através:

  • da concentração, no PDM, das orientações vinculativas sobre os privados, hoje dispersas por vários planos especiais e setoriais;
  • do fomento de instrumentos de ordenamento do território intermunicipais, da classificação do solo, dando impulso à reabilitação urbana, com preferência sobre a nova construção;
  • atendendo às elevadas dependência e intensidade energéticas, mobilizar a Administração Pública para novos padrões de eficiência energética, de forma a reduzir significativamente, até 2020, o consumo de energia.

3.4. Evitar EP e PPP

Apesar do fim do PAEF em Junho do próximo ano, o Governo considera do interesse nacional manter uma política de restrição quanto à criação de novas Empresas Públicas e quanto à contratualização de novas Parcerias Público-Privadas. Chama-se à atenção que o Estado passou a ter – e não tinha antes – uma Unidade de Acompanhamento Técnico de Projectos, que controla os riscos e a sua repartição.

3.5. Funções de Soberania: um Estado forte não é um Estado pesado

As chamadas funções de soberania foram, são e serão isso mesmo: funções do Estado essenciais para garantir a independência nacional, a prossecução do interesse nacional, a ordem pública e aplicação da lei num Estado de Direito. No plano concetual e também no plano operacional, nenhuma das quatro funções tradicionais – diplomacia, defesa, justiça e segurança – é delegável. Mais: não tem o Estado qualquer interesse em delegá-las. À excepção de certas funções residuais e da natureza mais industrial, qualquer destas áreas de soberania do Estado recorre fundamentalmente aos seus serviços.

As reflexões a fazer são, portanto, quanto à prioridade relativa, dimensão operacional e qualificação dos recursos humanos ao serviço de funções importantíssimas para que Portugal possa ter um Estado forte, que não equivale, nem é comparável, a um Estado pesado.

  • as possibilidades abertas no âmbito da política externa de segurança e defesa da União Europeia, sobretudo no que diz respeito aos serviços de representação externa, permitem, por exemplo, diversificar a rede diplomática do Estado português, em antenas partilhadas de modo bilateral ou multilateral. Por sua vez, há sinergias a obter a partir dos programas de defesa, sobretudo se pensarmos na partilha de capacidades;
  • em coerência com as reformas em curso, a adaptação e racionalização das Forças Armadas de regime profissional a conceitos, missões, dispositivo e estruturas próprios de um Estado-Nação pacífico, é também um imperativo. É certo que Portugal tem especiais deveres de cooperação com os países de expressão portuguesa, e é membro activo de organizações internacionais de segurança, que implicam presença militar no exterior. Por isso, a redução da estrutura superior e a limitação do contingente vão a par com a especificidade da condição militar. Os objetivos a prosseguir são a redução do peso das componentes do pessoal nos orçamentos – com aposta maior na operação e manutenção -, a redução gradual do efetivo das Forças Armadas para 30 a 32 mil militares, e a continuação da reforma da saúde e ensino militares;
  • a escolha, preparação e formação dos diplomatas portugueses deve acentuar a componente económica e empresarial, e o mapa das embaixadas e consulados portugueses não deve ser estático, de modo a acompanhar a vertiginosa mudança da economia global e as oportunidades que esta abre;
  • a prioridade, no plano da justiça, é levar a cabo no terreno a política de objetivos para os tribunais, de modo a garantir que o seu funcionamento seja mais célere e melhore o efetivo acesso à justiça. A definição dos valores processuais de referência para os juízes, em função da especialidade e da complexidade dos processos; o conceito da gestão do tribunal, através da equipa que o dirige; a formação específica dos profissionais para este efeito, dotarão os tribunais portugueses de mais objetivos, mais gestão e mais preparação;
  • em complemento, deverá ser concluída a regulamentação do mapa judiciário e das plataformas informáticas de suporte, que racionalizam e modernizam o sistema;
  • no plano legislativo, em benefício de uma ideia de Estado ao serviço do cidadão, - e não da ideia inversa, tão comum na perceção dos cidadãos -, deverá finalizar-se a reforma do Código de Procedimento Administrativo, que é orientada para a desburocratização e responsabilização efetivas do Estado, das suas decisões e dos seus agentes. Prevê-se um regime sancionatório quanto ao incumprimento de prazos e soluções cooperativas obrigatórias para eliminação de diferenças entre departamentos de Administração;
  • é ainda relevante, tanto no plano institucional como no plano da exigência e mobilidade profissionais, proceder à revisão dos estatutos das magistraturas e adequar os estatutos das Ordens à lei das associações;
  • não tendo o Governo poder de iniciativa em sede de revisão constitucional, declara-se, no entanto, a nossa abertura para reformar a arquitetura institucional do sistema judicial, o que pressupõe um esforço de consensualização política.
  • o governo das sociedades contemporâneas necessita, com prioridade, de forças e serviços de segurança de elevada competência. No caso português, o sistema dual – uma força civil e outra militar – deve manter-se, mas isso não deve impedir uma partilha de serviços bem mais substancial entre forças;
  • é ainda necessário compatibilizar a necessidade de renovação de efectivos com a política de reserva e aposentações e garantir a aproximação de Portugal ao rácio europeu entre agentes, guardas e civis ao serviço. No domínio da segurança, a sociedade portuguesa espera que se desenvolva uma maior presença no terreno, em detrimento das tarefas administrativas que ainda ocupam os agentes e guardas;
  • é essencial desmaterializar, descentralizar ou rever inúmeras tarefas de tipo administrativo, judiciário ou até económico e social, que são pedidas às Forças de Segurança e que, nada tendo a ver com a essência das suas funções , “capturam” uma parcela do seu produto operacional, com prejuízo para a prevenção e repressão da criminalidade;
  • reflexão sobre algumas áreas que carecem de melhor repartição de competências – por exemplo, a ASAE -, entre forças e serviços com competências de investigação. 

3.6. As funções de regulação, supervisão e inspecção: economia de mercado não é protecção dos incumbentes

O facto de Portugal ser uma economia aberta e uma economia de mercado, em tempo de globalização acentuada e de complexificação das engenharias jurídicas e financeiras, atribui a maior importância às funções de regulação, supervisão e inspeção que cabe ao poder político assegurar, precisamente, por serem uma condição essencial da garantia de funcionamento dos mercados e das entidades que nele interagem, bem como da imparcialidade da Administração e dos funcionários. Neste plano, é imperioso reconhecer que esta função relevante do Estadogarantia ficou aquém em áreas fundamentais, nomeadamente na última década, no nosso país.

As falhas de supervisão muito sérias quanto a atividades criminais ou irregulares em parcelas do sistema financeiro, com elevado custo para o contribuinte; a dificuldade em detetar, a tempo, procedimentos de risco para lá do aceitável; a permissividade em relação a práticas abusivas no setor da concorrência; algum desinteresse pela qualificação das atividades inspectivas dos próprios Ministérios, resultaram, cumulativamente, numa diminuição da confiança necessária nestas funções de regulação, supervisão e inspeção.

Revalorizar um Estado imparcial perante as empresas, intransigente quanto a actividades ilícitas, e transparente, desde logo, com os seus serviços, constitui também uma obrigação reformadora. É condição essencial para o reforço de confiança dos cidadãos nas instituições do Estado:

  • contrariar-se a proliferação de reguladores setoriais;
  • a garantia de independência dos reguladores não pode confundirse com ausência de escrutínio democrático da sua actividade;
  • as alterações legislativas no domínio da concorrência e da sua Autoridade, favorecem uma atitude mais pró-ativa e é expetável e desejável uma política mais decidida em prol da sã concorrência, da abertura dos mercados e da não proteção das empresas incumbentes;
  • deve constituir prioridade do Governo precaver e, quando necessário, legislar, para evitar a permanência ou constituição de monopólios, públicos ou privados. A doutrina da limitação do poder não é apenas uma conquista da democracia política. Os mercados em regime monopolista, quando não se deve a causas inultrapassáveis, funcionam deficientemente e representam um poder excessivo, com o potencial de prejudicar a economia, as empresas e os consumidores;
  • o nosso país deve ainda contribuir ativamente, no plano europeu, para a correção de condições para uma supervisão financeira eficiente, no quadro da União Bancária.

3.7. Fomento económico: apoiar e conceder

A última década foi, em Portugal, especialmente desanimadora, do ponto de vista do crescimento económico. O recente relatório da OCDE, sobre a reforma do Estado no nosso país, estima em 3,5% o crescimento potencial do PIB em 2020, como consequência de reformas estruturais importantes, em boa medida feitas nos últimos dois anos.

O facto de Portugal ter vivido, desde o final de 2008, num ciclo recessivo, e de ter de cumprir objectivos exigentes de ajustamento, em resultado do resgate de Maio de 2011, conduz ao imperativo de fazermos o possível por acelerar um ciclo de crescimento económico. Nesse quadro, há vantagem em precisar o que são, nesta conjuntura excecional, as funções de “fomento económico” que o Estado deve prosseguir.

Por isso mesmo, o Governo aprovou uma Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial (2013-2020), focada em 6 eixos, que será proximamente atualizada. Aumentar o potencial do crescimento do PIB (+ 1,3% em média), aumentar as exportações (objetivo 50% do PIB), reforçar o peso da industria no PIB (+3%), melhorar a posição de Portugal no ranking de países UE amigos do investimento (de 12º para 5º) aumentar o nível de emprego (+ 9 pontos) e mais que dobrar o investimento em I&D.

O veículo do crescimento é o investimento e a primeira condição do investimento é a confiança. Dadas as circunstâncias em que o país vive, é credível que o maior volume do investimento necessário seja privado, nacional ou estrangeiro. A parcela do investimento público terá de ser seletiva, não pode ficar isenta de uma análise custo-benefício mas à medida que a situação orçamental melhore, poderá ser intensificada.

  • o Estado faz “fomento económico” ao deter um instrumento muito relevante no sistema financeiro, com um papel de referência pela sua envergadura, que é a Caixa Geral de Depósitos. Precisamente, a CGD fará a diferença como banco público se fizer a diferença na orientação do crédito para as PME do sector privado português. A consagração de uma carta de missão para a CGD representa um passo em frente e o escrutínio anual dos seus objectivos permitirá assinalar o respetivo grau de cumprimento. O modelo de governação da CGD, na medida em que o Estado é o único acionista, deve ser revisitado;
  • a próxima geração de fundos comunitários tem o potencial de ajudar significativamente o investimento privado e o combate ao desemprego, e por isso, tanto no seu modelo orgânico, como no acordo de parceria, deve ser um exemplo de “lição aprendida”, para evitar replicar erros dos quadros anteriores. Esse acordo deve definir as prioridades de aplicação dos fundos – competitividade e internacionalização; inclusão social e emprego; capital humano; sustentabilidade e eficiência no uso dos recursos -, prioridades que devem conjugar-se com a reforma da Administração Pública e com uma racionalidade geral e de interesse nacional na aplicação dos fundos, em articulação com o investimento no território;
  • devemos concentrar-nos na constituição de uma instituição financeira para o desenvolvimento, que possa utilizar fundos reembolsáveis; e na transição meticulosa para um modelo que, podendo ter maior concentração na administração dos fundos estruturais, garanta a autonomia dos programas operacionais;
  • o Estado também faz “fomento económico” quando lança e financia linhas de crédito para o investimento. Nesta área, será importante não apenas a renovação e a diversificação das linhas anuais – v.g. PME investe e PME crescimento – como adotar uma orientação proativa no sentido de negociar, estadual ou institucionalmente, apoios ao investimento em Portugal, a partir de instituições especializadas de outros países, e apoios à exportação, tanto nacionais como a partir de entidades financeiras dos países de destino;
  • é também uma prioridade para reforçar o financiamento da economia, nesta segunda metade da legislatura, revisitar a questão dos seguros de crédito à exportação e avaliar, para melhorar, os resultados da política de capital de risco, bem como encontrar instrumentos mais agressivos para o fomento das “start up” e “business angels“, potenciadores de uma nova iniciativa privada portuguesa;
  • o papel do Estado no fomento da internacionalização, inovação e qualificação e também na abertura de mercados para as exportações, onde têm especial relevo instâncias como a AICEP e o IAPMEI, deve procurar as melhores práticas: simplificar os procedimentos concursais, torná-los na prática, permanentes, e tendo como objectivo sistemas de decisão mais tempestivos;
  • não acreditando o Governo em políticas económicas dirigistas, naturalmente tem uma visão estratégica do país, onde se inscreve o fomento de áreas estratégicas de crescimento, sobretudo no domínio dos bens transaccionáveis. A agricultura, a floresta, o turismo e o mar são sectores mobilizadores e têm grande potencial de crescimento; naturalmente, os cluster industriais portugueses merecem uma aposta consistente;
  • no domínio das infraestruturas, merecem destaque prioritário as previstas ligações ibéricas – que dão acesso ao mercado europeu – no domínio das mercadorias, bem como o aproveitamento de todas as oportunidades competitivas da rede de portos portugueses, sobretudo a partir da aprovação do novo regime do trabalho portuário;
  • na sequência da reestruturação operacional das empresas de transportes, o Governo deve acelerar uma forte política de concessões, de empresas ou linhas de transporte, sobretudo, em apoio das políticas públicas de mobilidade, nas áreas metropolitanas; as concessões devem avançar tão cedo quanto a questão da contabilização das atuais EP seja clarificada com os nossos parceiros;
  • na reestruturação empresarial do setor das águas, ponderando a sua concessão, proporcionar maior coesão social e territorial, qualidade ambiental e sustentabilidade económico-financeira, através da: agregação de sistemas multimunicipais, maior integração entre os sistemas de águas em alta e em baixa, recuperação gradual dos custos nas tarifas e harmonização tarifária. Adicionalmente, a transferência, através de contratos de concessão, dos aproveitamentos hidráulicos administrados pela APA, atribuindo aos utilizadores de recursos hídricos a responsabilidade pela gestão das infraestruturas de que são utilizadores e permitindo à APA centrar a sua atividade na missão fiscalizadora e reguladora.

3.8. Educação: propostas de autonomia, liberdade de escolha e escolas independentes

A função educativa do Estado é primordial e não está - nem estará - em causa. É, aliás, uma das mais importantes do ponto de vista da visão alargada do Estado Social, pois ajuda como nenhuma outra na construção de uma sociedade com oportunidades, superação das desigualdades sociais e qualificação dos jovens. Esta é, por isso, uma função que está a ser reforçada e deve continuar a sê-lo. Todo o esforço para tornar a escola mais exigente é um esforço que robustece a escola como um instrumento de alargamento de oportunidades.

As medidas de redução da despesa têm afetado todos os setores do Estado. A educação está, naturalmente, incluída. Mas não por qualquer intenção cega: a educação, como outras políticas públicas, absorve o impacto do défice demográfico em Portugal, não podendo a organização da rede escolar ficar intacta quando há um decréscimo do número de alunos. Recorde-se que, em 2001, estavam matriculados no 1º ciclo do ensino básico cerca de 536 mil alunos (em 2012, 454 mil); no 2º ciclo, 272 mil alunos (face a 266 mil, agora); só no 3º ciclo há leve recuperação, que volta a decrescer no secundário. Se olharmos para as estatísticas num horizonte ainda mais alargado, a redução é ainda mais impressionante. Nos últimos 30 anos, o número de alunos inscritos no 1.º ciclo diminuiu para cerca de metade. Para além da função financiadora e prestadora do Estado, este deve reservar para si as decisões mais relevantes do sistema. Por isso, a avaliação em exames nacionais no final de cada ciclo escolar fez o seu caminho, para subir os níveis de exigência. Também por isso, o reforço das cadeiras nucleares na aprendizagem – nomeadamente o Português e a Matemática, sem esquecer a História, a Geografia e o Inglês -, foi uma opção correta. É ainda de salientar a importância da clarificação da autoridade do professor, que é central na escola. Reformas pedagógicas dotadas de previsibilidade e estabilidade, são um pilar de uma melhor política educativa.

No panorama da educação participam outros setores para além do Estado. Desde logo, as autonomias e as autarquias, não apenas o Estado central. Mas também os setores cooperativo, privado e social, porque a liberdade de educação tem consagração expressa na Constituição. Partindo desta visão abrangente, há mais a fazer para dar novo impulso à qualidade do ensino, há mais a fazer para motivar e dar oportunidades aos profissionais e há ainda mais a fazer para robustecer a liberdade de escolha das famílias.

  • a primeira proposta é a possibilidade de o Ministério da Educação, na sequência da participação das autarquias na rede de ensino básico, lançar concursos públicos para que as autarquias que o desejem e, sobretudo, associações de várias autarquias, se candidatem a verdadeiras “concessões de escola”, alargando gradualmente a sua responsabilidade, mediante os adequados critérios legais, a novos ciclos de ensino. Neste domínio, partimos de algumas premissas: a proximidade é, em geral, mais humanista, a descentralização, por regra, é mais eficiente. A organização e direção das escolas têm hoje um modelo estabilizado e a qualidade do ensino é um fator de concorrência saudável entre municípios;
  • na mesma linha descentralizadora, é um aspeto decisivo reforçar a autonomia das escolas, dando-lhes maior poder de definição do seu projeto escolar, no respeito por certos parâmetros nacionais. Quando este Governo iniciou funções, existiam apenas 22 contratos de autonomia celebrados com escolas públicas. Esse número já mais que sextuplicou. Há evidência de que inúmeras escolas ou agrupamentos manifestaram interesse na celebração de novos contratos de autonomia. Donde, uma nova geração de contratos de autonomia, em si mesma criadora de mais diversidade e escolha dos projetos educativos, é uma opção positiva;
  • uma terceira via é a que poderíamos designar por “escolas independentes”. Trata-se, aqui, de convidar, também mediante procedimento concursal, a comunidade dos professores a organizar-se num projecto de escola específico, de propriedade e gestão dos próprios professores, mediante a contratualização com o Estado do serviço prestado e do uso das instalações. Essa oportunidade significa uma verdadeira devolução da escola aos seus professores e garante à sociedade poder escolher projetos de escola mais nítidos e diferenciados;
  • outro projeto para aumentar a liberdade de escolha da sociedade em relação à educação é um novo ciclo de contratos de associação. Estes foram, inicialmente, concebidos para preencher adequadamente a oferta educativa nos territórios em que a oferta pública era escassa. Com a disseminação dos equipamentos, um novo ciclo de contratos de associação deve estar potencialmente ligado a critérios de superação do insucesso escolar. Na verdade, o Ministério da Educação pode e deve abrir concursos para que, desde logo, nalguns territórios em que as instituições educativas, continuadamente, apresentam resultados escolares com maiores dificuldades e níveis de insucesso, haja uma maior abertura da oferta e uma saudável concorrência de projetos de escola, mediante adequada contratualização. Como é sabido, globalmente, as escolas com contrato de associação respondem bem nos ranking educativos;
  • finalmente, é uma prioridade relevante para a segunda metade da legislatura a regulamentação e efetiva aplicação do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que clarifica e atualiza, entre outras, as matérias relativas à autonomia, iniciativa, abertura e fiscalização de estabelecimentos particulares e cooperativos;
  • o Governo deve preparar a aplicação do chamado “chequeensino”, como instrumento de reforço da liberdade de escolha das famílias sobre a escola que querem para os seus filhos. Deve, para tal, seguir um método prudente e gradual, assente em projetos-piloto, que permitam à sociedade e às instituições aferir a resposta e os resultados de um modelo de financiamento diferente;
  • outra reforma prioritária na educação é o desenvolvimento do ensino profissionalizante e da sua vertente dual, isto é, da associação entre escolas e empresas na formação técnica dos jovens. Queremos, em breve, ter no ensino secundário cerca de 50% dos jovens em ofertas profissionalizantes, que permitam o acesso direto a uma profissão útil e necessária à sociedade, não deixando de permitir o prosseguimento de estudos, seja para cursos superiores técnicos de curta duração, seja para os cursos universitários existentes, mediante satisfação dos necessários critérios de acesso;
  • constitui reforma prioritária, no setor do ensino superior, a reorganização do ensino politécnico, com a adequada verificação da procura, empregabilidade dos respetivos cursos e impacto no território;
  • o Governo fará uma reforma do Ensino Superior com vista a reforçar a qualidade da oferta universitária, consolidar a oferta politécnica e criar, com início em 2015, um novo modelo de ensino superior de ciclo curto, muito próximo da realidade do mercado de trabalho. A rede de instituições de ensino superior do Estado será adaptada às novas necessidades educativas e à alteração da procura que ocorreu nos últimos anos. Manter-se-á a qualidade e a competitividade internacional do ensino superior português enquanto se aumenta a participação, perseguindo o objetivo assumido para 2020 de ter 40% dos jovens de 30 a 34 anos com um diploma superior. Será mantido o sistema de comparticipação dos estudantes no custo da educação mas será garantido o acesso a todos os estudantes com capacidade e interesse, independentemente da disponibilidade financeira da família.
  • reforçar as capacidades de investigação científica e tecnológica em Portugal, é um objetivo a prosseguir, tendo em vista o próprio desenvolvimento do sistema científico, mas, de forma crescente, o desenvolvimento de uma economia baseada no conhecimento e de alto valor acrescentado. Importa agora densificar a qualidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e reforçar a sua articulação com o tecido empresarial;
  • para que as empresas se possam focar em estratégias de curtoprazo de melhoria da sua competitividade e aumento de exportações de produtos e serviços de alto valor acrescentado, é indispensável uma base de investigação sólida, original, geradora de novas ideias, orientada para o médio e longo-prazo e, ela própria, competitiva;
  • qualquer estratégia futura deve reconhecer que a capacidade científica, tecnológica e de inovação em Portugal está essencialmente concentrada nas instituições de I&D, e que é também sobre este potencial que devem ser promovidas transformações qualitativas do SII para uma maior integração com o tecido económico. Esta ligação às instituições de I&D é importante para as empresas existentes, mas torna-se crítica quando pensamos na criação de novas empresas de base tecnológica.

3.9. Melhor acesso à cultura

  • a função do Estado na Cultura tem de sair da mera dicotomia entre a preservação do património e o apoio à criação artística: o Estado tem de ser, cada vez mais, facilitador na relação com a referência e a experiência cultural, da fruição e acesso de cada cidadão à cultura. Este papel acrescido significa responder à procura com mais informação, com mais parcerias, com uma maior descentralização, com a colaboração – sem sobreposição, dirigismo ou substituição - com as autarquias, empresas e sociedade civil; com apoio à produção e à internacionalização; a continuar a encontrar novos públicos em conjunto com as indústrias criativas, o turismo e a educação;
  • esta função, significa garantir que tanto o património como as várias formas de expressão cultural contemporânea podem ser encontrados; que existe uma maior referenciação dos bens culturais; uma desmaterialização no acesso arquivístico e documental e o alargamento dessas possibilidades na área do livro e da leitura. A abertura do acesso à cultura – tanto virtual como geográfico - qualifica e responsabiliza todos os cidadãos e entidades públicas e privadas, servindo de base à inovação e a um modelo de desenvolvimento que tenha na cultura um referencial importante.

3.10. Segurança social: condições para uma reforma equilibrada

A segurança social evoluiu tardiamente em Portugal e envolve um importantíssimo contrato entre gerações. O sistema é especialmente sensível aos ciclos económicos, na medida em que sofre um impacto imediato com o aumento do desemprego e a diminuição de contribuições em ciclo recessivo, precisamente o que sucedeu nos últimos anos. Está também na linha da frente de condicionamentos positivos – o aumento de esperança de vida – ou negativos – v.g. o declínio demográfico. Assegura, ainda, uma multiplicidade de eventualidades.

A solidariedade é determinante como política pública humanista, com especial foco no combate à exclusão e na redução da pobreza. Mas está longe de ser uma política exclusivamente pública. Em Portugal, uma larga tradição de solidariedade social com raiz, autonomia e trabalho de terreno, a partir da sociedade civil, sempre assegurou uma parte considerável da política social em parceria com o Estado.

Em nenhuma outra política pública, o grau de contratualização entre Estado, IPSS, mutualidades e o próprio sector privado atinge a dimensão que tem na política social. Essa contratualização provou, globalmente, ser exemplar e extremamente acarinhada pela população que dela beneficia diariamente. A parceria com o sector social, de que as Misericórdias são emblemáticas até pela sua relevância na secular história de Portugal, é especialmente significativa.

A política de segurança social tem um peso relevante na despesa pública, e está por isso evidentemente presente na concepção do Memorando de Entendimento entre Portugal e a troika. Deve salientarse que o Governo atual procurou - e conseguiu moderar - , e até excluir, medidas nele inicialmente previstas, ou sujeitas a pressão. Disso é exemplo a recusa em aumentar a tributação das IPSS ou sujeitar a tributação os subsídios de maternidade e paternidade.

Dessa “ética social na austeridade” é também prova o esforço feito pelo Governo, apesar de todos os constrangimentos, para descongelar as pensões mais baixas – as mínimas, sociais e rurais -, e isentar as pensões menos favorecidas de medidas específicas que tivessem impacto nos seus rendimentos. São opções de sensibilidade social de que nos orgulhamos.

Beneficiária da transferência do Orçamento de Estado e das contribuições sociais de trabalhadores e empresários, a segurança social está no coração de um humanismo social em renovação permanente. Como vivemos em regime de repartição, e não de capitalização, a garantia da sua sustentabilidade torna-se mais premente.

O desafio mais importante que se coloca ao sistema de segurança social é, precisamente, o de garantir o seu futuro. Reformas importantes foram feitas para acautelar a sustentabilidade – por exemplo, o próprio fator de sustentabilidade no cálculo das pensões – mas o facto de Portugal ser, demograficamente, um país a envelhecer, e também a exiguidade dos níveis de crescimento económico aconselham, no momento próprio, reformas de maior alcance, evidentemente sujeitas a negociação em concreto com os parceiros sociais.

Uma reforma da segurança social que faça evoluir, parcialmente, o sistema para uma lógica de capitalização, como já era proposto pelo Livro Branco da Segurança Social de 2000, necessita de uma conjuntura específica de crescimento económico com significado e durabilidade. Sem esse cenário económico, as reformas, neste sector sensível, podem ter efeitos perversos. Nesse sentido, o Governo deve nomear, em 2014, uma Comissão de Reforma da Segurança Social, constituída por especialistas e peritos de destacado mérito, politicamente abrangente, de modo a consolidar uma proposta de reforma que, em qualquer caso, só poderá inspirar um projecto legislativo quando o crescimento do PIB atingir 2%.

A reforma da Segurança Social, feita nas condições descritas, visa garantir maior liberdade de escolha às novas gerações de trabalhadores, de modo a acautelar o seu futuro; ao mesmo tempo, tem de contribuir para uma maior sustentabilidade do sistema.

  • a reforma deve admitir um “plafonamento” das contribuições e das futuras pensões, segundo um modelo de adesão individual e voluntária, com expressa manifestação de vontade dos contribuintes; deve operar para futuro e apenas a partir de um certo limite de rendimentos, a definir consensualmente, mantendose até esse limite a obrigatoriedade do desconto para o sistema público; deve clarificar as eventualidades que integra, em harmonia com a composição da TSU; deve ainda garantir igualdade no tratamento fiscal, portabilidade ou transferibilidade dos créditos adquiridos e direitos de formação, e um sistema de regulação, fiscalização e supervisão prudenciais exigentes;
  • em consequência, deve debater-se um valor máximo para as pensões que o Estado paga;
  • em contrapartida, deve assegurar-se o princípio de atualização anual das pensões mais desfavorecidas, evitando que o respetivo poder de compra seja devorado pela inflação;
  • partindo do princípio verdadeiro de que a solidariedade é uma política, e a subsidiodependência é um abuso, neste segundo ciclo da legislatura deve ser concluído o estudo, tecnicamente complexo e necessariamente articulado com outros ministérios e com autarquias locais, sobre o limite de acumulação de prestações não contributivas e subsídios gratuitos, atribuídos a pessoas em idade ativa mas sem ocupação fixa, comparando com o rendimento médio dos trabalhadores menos qualificados que as não recebem, mas pagam os seus impostos. O objetivo é estabelecer um limite nessas acumulações, garantindo assim um princípio de equidade e boa administração de recursos;
  • a economia social é criadora de emprego e de desenvolvimento nas economias locais e deve, por isso, ser um parceiro privilegiado na aplicação dos fundos comunitários que visam estimular o emprego, a inclusão e o capital humano mantendo critérios de equidade e boa administração de recursos;
  • outro tema central no presente e no futuro, sobretudo tendo em atenção o combate ao desemprego, é a avaliação da eficácia do sistema de oferta, aceitação ou recusa de ofertas de emprego. O sistema de apoio no desemprego deve incentivar a pro-atividade do beneficiário e a autenticidade e utilidade das entrevistas de emprego. Por isso, fiscalizar as faltas e reforçar a vigilância nas recusas injustificadas de emprego é impedir que oportunidades razoáveis se desperdicem;
  • outra ideia para debate, visando aumentar a eficácia do encontro entre a oferta e a procura de emprego, é admitir que, para além do trabalho do IEFP e do funcionamento do mercado de trabalho, a própria iniciativa privada, sobretudo na área das empresas de recursos humanos, seja desafiada, em condições legais e escrutináveis, para a tarefa de ajudar a melhorar a colocação de desempregados em postos de trabalho. Pode pensar-se numa gestão por objetivos – um prémio por cada objetivo de colocação – e começar pelo desemprego de longa duração;
  • um novo incentivo pode também ser a oferta, às empresas que contratam desempregados, do remanescente – total ou parcial – que os empregados receberiam se continuassem na situação de desemprego. Naturalmente, esta linha de política só pode aplicarse a contratos sem termo;
  • reforçar a prioridade de estimular a colocação de desempregados nas empresas que prestam serviços contratualizados com o Estado;
  • a contratualização das funções de solidariedade deve avançar para uma Rede Local de Intervenção Social, que envolva uma vasta parceria do Estado com o setor solidário, visando o apoio técnico às famílias em situação vulnerável. Só a contratualização com as IPSS permitirá uma gestão de proximidade, tecnicamente habilitada, e ajustada às circunstâncias específicas das famílias. O investimento feito nesta rede é largamente mais eficiente do que a intervenção centralizada e de maior burocracia do Estado central;
  • o Estado deve, na segunda metade da legislatura, concluir a política de concessão de equipamentos sociais que não têm competência para gerir, mediante o adequado concurso e contrato de gestão;
  • em 2014, deve ser preparada e instituída a gestão coordenada da CGA e do regime geral da Segurança Social, corolário lógico do caminho de convergência entre reformas que já foi iniciado. A condição dessa gestão coordenada é o compromisso legal, por parte do Estado, em manter as transferências orçamentais que lhe competem.

3.11. Saúde: propostas de eficiência para garantir a universalidade do acesso

A área da Saúde constitui, compreensivelmente, uma das maiores preocupações dos portugueses e tem de ser, evidentemente, uma das áreas mais cuidadas pelo Estado.

Por esta razão, não se pode fugir à questão do insuficiente financiamento global do sistema de saúde, da escassez de profissionais, da pressão demográfica e da gestão de unidades desadequadas em termos clínicos, geográficos e com necessidades de modernização. A sustentabilidade do SNS não é um objetivo em si, mas um meio para que Portugal possa continuar a oferecer um serviço de acesso universal.

A evolução do SNS, desde a sua fundação no modelo atual, não acompanhou as mudanças verificadas no nosso País. O SNS foi um modelo estruturado para responder às necessidades básicas da população, numa época em que estas e os respetivos níveis de bemestar, conforto e higiene eram muito diferentes dos atuais.

Há 50 anos, a idade média da população era de 28 anos; hoje já é superior a 40. Com mais de 2 milhões de idosos, o grupo de idosos mais velhos (mais de 75 anos) equivale já a quase 1 milhão de habitantes, quando em 1960 não excedia 240 mil. A demografia obriga a repensar a oferta de cuidados e desafia o nível de resposta no plano das doenças crónicas obrigando a encontrar novas soluções preparadas – utilizando uma componente essencial de autocuidados -, a par da necessidade de reforçar o investimento na promoção da saúde e na prevenção das doenças e incapacidades.

A grande mudança económica e social que decorreu em Portugal nas últimas décadas permitiu satisfazer as necessidades mais importantes da população, em especial no domínio da saúde, mas ainda não permitiu resolver de forma generalizada todos os problemas de acesso.

3.12. Cuidar da viabilidade e sustentabilidade futura do SNS

Para responder a este desafio, assim como para conseguir uma adaptação à realidade atual da população, é necessário continuar a concretizar as reformas e repensar a oferta de cuidados e o nível de resposta do SNS.

A solução para as carências atuais e futuras das pessoas não se prende só com a discussão entre teorias económicas. Não se trata de diminuir ou aumentar o papel do Estado, mas sim em fazer mais e melhor, essencialmente em termos de otimização dos recursos disponíveis.

O mais importante da reforma do Estado, no que à Saúde diz respeito, é a identificação de necessidades, a definição de prioridades e a garantia de que os recursos estarão disponíveis nos tempos e locais adequados, de forma continuada e equitativa. Para tanto, deve ser seguido e assegurado o compromisso implícito no contrato social de garantia de universalidade da cobertura; a equidade do acesso; a sustentabilidade financeira, atual e futura, do SNS, baseada na solidariedade do financiamento; e a aplicação eficiente dos recursos públicos na obtenção de resultados de qualidade e ganhos de saúde para a população.

O desenvolvimento do sistema de saúde deve estar, ainda, preparado para o impacto da liberdade de circulação dos doentes no espaço comunitário e para evitar contínuos sobressaltos sobre a sua viabilidade e sustentabilidade futura.

3.13. Os eixos da reforma na Saúde

Neste enquadramento, o racional da reforma proposta assenta em quatro pilares essenciais: melhorar a eficiência global do sistema de saúde; progredir na redução das iniquidades de acesso ao sistema de saúde; assegurar uma crescente transparência do sistema; promover a capacitação e responsabilização dos cidadãos.

Neste sentido, consideramos prioritário:

  • aumentar a eficiência, sem comprometer a efetividade, na prestação de cuidados de saúde, com o objetivo de criar condições estruturais para que as unidades prestadoras de cuidados de saúde sejam sustentáveis no médio e longo prazos;
  • excelência no conhecimento e na inovação, procurando criar as condições de contexto que potenciem a capacidade e a consolidação do conhecimento existente, em três domínios prioritários: a investigação e o desenvolvimento; excelência de cuidados e a excelência na gestão da informação;
  • recursos humanos capacitados, com o objetivo de fazer mais e melhor com os meios existentes, clarificar com maior precisão o papel de cada profissional na cadeia de valor da sua instituição e encontrar uma matriz de avaliação que permita medir a produtividade e o empenho de cada profissional, bem como o desenvolvimento de instrumentos de fidelização e de atracão de profissionais para regiões onde se verifique carência de recursos;
  • aproximar os cuidados de saúde dos cidadãos, reforçando a integração daqueles, com o objetivo de reduzir as iniquidades de acesso aos cuidados de saúde primários, bem como o reforço da oferta de cuidados continuados, com prioridade para as regiões do país atualmente menos capacitadas, por forma a adequar a oferta às reais necessidades dos utentes e, em paralelo, reduzir a pressão que os denominados “casos sociais” exercem sobre os cuidados de saúde - muitas vezes gerando internamentos hospitalares de duração desadequada à gravidade da situação clínica desencadeante;
  • aumentar a qualidade e a sustentabilidade dos serviços hospitalares, levando a cabo a Reforma Hospitalar, assegurando a continuidade da execução das iniciativas estratégicas propostas pelo Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar;
  • acordos estáveis e transparentes com o sector privado e social, nomeadamente através da avaliação de novos formatos de parceria, designadamente na cessão de exploração de algumas unidades do atual parque hospitalar; da redução das barreiras à entrada de novos operadores de MCDT, nomeadamente através da desburocratização do licenciamento e da liberalização do acesso a novas convenções, entre outros;
  • continuar a reforma da política do medicamento para aumentar o acesso e a qualidade na terapêutica, continuando com as directrizes e medidas que têm vindo a ser tomadas, assentando essencialmente na aplicação de normas de orientação clínica, na implementação do formulário nacional do medicamento, no reforço da aquisição e negociação centralizadas e no reforço de monitorização e controlo de prescrição, dispensa e conferência em ambulatório e hospitalar;
  • redução da carga de doença, como factor essencial para a garantia da sustentabilidade do sistema de saúde e do SNS a longo prazo. Para que esta redução seja conseguida será necessário actuar sobre os principais determinantes de saúde, de forma a promover a saúde e prevenir as doenças. O objectivo será a redução progressiva da mortalidade prematura que deverá ficar em linha com o compromisso assumido para 2020, abaixo dos 20%. Para isso, dever-se-á apostar na formação, capacitação e responsabilização dos cidadãos e desenvolver as medidas legislativas imprescindíveis;
  • reordenamento da Saúde Pública, o qual deverá impor a incorporação das funções essenciais desta, tal como propostas pela UE e OMS. O redesenho das missões da Direcção Geral de Saúde (DGS), Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor Ricardo Jorge, I.P., (INSA) e departamentos de saúde pública das atuais Administrações Regionais de Saúde, I.P., (ARS), será feito tendo em vista a melhor gestão das atribuições conferidas aos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) no domínio da saúde pública, promovendo uma coordenação mais eficaz dos laboratórios de saúde pública das ARS, eliminando redundâncias com uma gestão centralizada, bem como a disponibilização de fundos adicionais para a promoção da saúde e prevenção da doença;
  • internacionalizar o setor da saúde, enquanto fator essencial na criação de valor e de riqueza para os cidadãos, para os Estados e para as suas respetivas economias, assente em três eixos estratégicos:
    1. crescer no exterior;
    2. atrair investimento estrangeiro;
    3. conquistar novos mercados.
  • em 2014 deve ser preparada e instituída a gestão coordenada da ADSE com o SNS e concluído o processo referente à ADM e SAD, mediante a clarificação prévia das responsabilidades e visando harmonizar as condições junto dos prestadores.

As reformas devem ser acompanhadas por uma nova arquitetura e governação da estrutura funcional do Ministério, com a separação do financiamento e da prestação de cuidados. Desta forma, adapta-se a estrutura funcional das entidades do Ministério da Saúde, tendo por base as funções essenciais do Estado no domínio da saúde, nomeadamente a regulação, o financiamento e a prestação pública de cuidados. Neste âmbito, propõe-se a criação de uma entidade para a concentração de competências que se encontram residentes na Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) no domínio do financiamento das entidades prestadoras de cuidados de saúde e demais institutos públicos, bem como uma maior articulação entre a ACSS e as ARS.

4. O sentido útil da reforma do Estado: reduzir a carga fiscal e reduzir a burocracia

4.1. Simplificar a relação dos cidadãos e das empresas com o Estado

Uma das questões mais relevantes quando falamos nas reformas necessárias no Estado é a perceção de que os cidadãos têm efetivamente algo a ganhar com essas reformas. Como se disse atrás, “reformar” é diferente de “cortar”. Conseguir uma despesa contida e gerila com rigor não é apenas importante para que Portugal possa cumprir os seus compromissos internacionais e recuperar a sua autonomia financeira. É também importante para viabilizar aspetos muito concretos da relação do Estado com os cidadãos, as famílias e as empresas.

A compressão da despesa não é um fim em si. É o instrumento de saneamento das nossas finanças públicas e de cumprimento do PAEF; mas se for acompanhada de reformas no Estado, abrirá caminho, em contrapartida, a uma Administração Pública menos complexa e burocratizada, e a um sistema fiscal menos pesado. Não é simplesmente possível conceber que um Estado menos despesista reclame ou justifique um nível impostos idêntico ao que exige hoje. De igual modo, não é concebível que um Estado mais flexível mantenha os níveis de intervenção regulamentar e burocrática que ainda hoje subsistem.

4.2. A importância de um desagravamento fiscal

Como já se referiu, o nível de carga fiscal suportado pelos portugueses é, em termos europeus, elevado, face ao nosso nível de vida.

Em grande parte para cumprir o Memorando de Entendimento, mas também para poder cumprir o Acórdão do Tribunal Constitucional que rejeitou as soluções que passavam pelos subsídios e que incidiam sobre a despesa, a carga fiscal teve de aumentar de forma desproporcionada no nosso país. Isso aconteceu, em vários tributos, mas teve, sobretudo, um impacto maior no IRS, no IRC e ainda em sectores específicos do IVA. Foram circunstâncias de emergência nacional que ditaram essa opção, e que levaram, além do mais, a uma inversão do peso relativo da despesa e da receita no processo de consolidação. Obviamente, esse aumento de carga fiscal não pode ser considerado definitivo.

Não deve confundir-se aumento da carga fiscal com alargamento – justo – da base de tributação. O Governo levou o combate à fraude e a evasão fiscais até níveis de eficiência e de transparência que antes não eram conhecidos. E a sociedade portuguesa aderiu com sentido de justiça ao princípio de que todos os que devem pagar impostos, devem mesmo fazê-lo. Essa base, equitativa, e uma despesa contida, são condições essenciais para que os contribuintes possam vir a beneficiar de desagravamento fiscal.

Recordemos o que o esforço dos Portugueses tornou até hoje possível. O défice ficará em 5,5% este ano; em termos de défice estrutural primário, passámos de 6% negativos para 0,5% positivos. Esta trajetória não é uma sucessão de números; é o caminho para termos uma despesa sustentável, compatível com a riqueza que produzimos. Mas não só. É também o único caminho que permite tornar excepcional o aumento de carga fiscal e dar à sociedade portuguesa a esperança de que está nos nossos objetivos começar a inverter essa tendência já nesta legislatura.

Evidentemente, o processo do desagravamento fiscal deve ter vários fatores em consideração: não apenas a evolução dos indicadores nacionais em termos do cenário macroeconómico, como a execução orçamental, o fim do programa de assistência e a conjuntura externa. Um cumprimento rigoroso do orçamento para 2014 é condição para podermos iniciar um desagravamento fiscal em 2015.

4.3. O IRC tem de ser competitivo e estável

Tanto a possibilidade, como a necessidade de o fazer, levam o Governo a imprimir um cunho vincadamente económico a esta segunda metade da legislatura. A urgência de dar sinais claros para a captação do investimento e de, em geral, aumentar o potencial das empresas no contributo para o crescimento, determinaram que a primeira opção do Governo, em termos fiscais, incidisse sobre o IRC:

  • através do crédito fiscal ao investimento, Portugal tem em 2013, uma taxa extremamente convidativa para os investidores;
  • mas uma taxa competitiva de IRC, se se esgotasse numa oportunidade, num dado ano fiscal, não teria o potencial de eficiência, com impacto positivo na economia, que representa uma reforma global do IRC. O Governo desde o início declarou a sua disposição para negociar com os demais partidos políticos de modo a garantir previsibilidade e estabilidade num IRC mais competitivo.

4.4. Comissão de reforma do IRS: valorizar o trabalho e proteger a família

À medida que Portugal avança na sua consolidação orçamental. O Governo tem consciência da necessidade de criar condições para começar a inverter a trajetória de agravamento do IRS. O início desse processo deverá ter lugar ainda nesta legislatura.

  • uma reforma do IRS é um processo técnico complexo, que implica um trabalho aprofundado. Tal como sucedeu em 2013 com o IRC, o Governo nomeará, no início do próximo ano, uma Comissão de Reforma do IRS;
  • entre as questões que essa Comissão deverá avaliar estão a da incidência da carga fiscal sobre o trabalho e sobre a família. Sobre o trabalho, na medida em que se deve procurar avaliar a penalização do fator trabalho no sistema fiscal; sobre a incidência da política familiar nos impostos, exatamente para sublinhar que a fiscalidade não é o único, mas é um dos instrumentos de política que podem ajudar a sociedade portuguesa a corrigir o preocupante défice demográfico que, crescentemente, põe em causa a sustentabilidade de várias políticas públicas;
  • o Governo está consciente que o IRS de 2013 foi agravado com uma sobretaxa, o que torna mais exigente o trabalho de reforma, na medida em que a exigência dessa sobretaxa, que surgiu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, tem razões de emergência orçamental que não estão ainda superadas;
  • metodologicamente deve seguir-se, no IRS, o caminho que se fez no IRC: as opções do Governo devem estribar-se em estudos tecnicamente consolidados e períodos de debate público que permitam ouvir e envolver a sociedade.

4.5. Fiscalidade verde

Em paralelo e articulação com a Comissão de reforma do IRS, o Governo entende que devem ser consideradas as diferentes hipóteses de aplicação, entre nós, da chamada “fiscalidade verde” que contribui para a sustentabilidade ambiental do país, a ecoinovação, a redução da dependência energética do exterior, a concretização de metas e objectivos internacionais e a diversificação das fontes de receita;

4.6. Desburocratizar e organizar um Simplex 2

Um programa global de redução da burocracia implica uma intervenção em toda a Administração e deve associar todas as instâncias de poder político e administrativo no nosso país. Deve ter método, calendário e objectivos. Deve evitar a contradição entre abolir mecanismos e criar novos que, na prática, deixam quase tudo na mesma. As linhas de ação principais, lançadas para debate deste aspeto nuclear da reforma do Estado, podem sintetizar-se deste modo:

  • o programa deve ser global e por isso implica uma intervenção Ministério a Ministério, para verificação de todos os procedimentos relacionados com a atividade económica, em especial os que afetam, direta ou indiretamente, os processos de investimento;
  • o programa deve envolver de modo participativo as autarquias locais;
  • a avaliação de procedimentos em cada Ministério deve visar uma redução de, pelo menos, 1/3 das intervenções obrigatórias, o que envolverá, sempre que daí não resulte prejuízo objetivo das competências substantivas, optar por um decisor principal;
  • devem ser significativamente reduzidos os prazos de avaliação e devem prever-se sanções para as entidades incumpridoras;
  • a regra, em caso de incumprimento dos prazos de resposta tempestiva, deve ser o deferimento tácito;
  • para além da simplificação de procedimentos, deve em simultâneo estudar-se a eliminação de legislação obsoleta ou desnecessária;
  • têm de ser encontrados processos expeditos de regulação dos conflitos de competências entre entidades do Estado com competências no processo. Findo o prazo que se fixar para esse entendimento, a decisão deve ser política;
  • o objetivo de desburocratização significativa de procedimentos relacionados com a atividade económica deve ser coerente com a reforma do Código de Procedimento Administrativo, e consequente com as orientações de descentralização;
  • enquanto o programa não estiver concluído, deve ser afastada a criação de novas taxas – quase sempre relacionadas com procedimentos administrativos –, a menos que substituam outras desnecessárias;
  • admite-se, também, o principio “one in, one out”, sobretudo aplicado à legislação de natureza regulamentar. Nas áreas do programa, não podem criar-se novas obrigações legais sem extinguir outras;
  • considera-se proveitosa a reflexão sobre a vantagem de estabelecer, em certas e contidas áreas de intervenção pública, um princípio de fiscalização a posteriori, de modo a remover entraves que sejam injustificados ou secundários face à prioridade que deve ser dada à dinamização do crescimento e do emprego.

4.7. Um Estado pós-burocrático

É conhecido, ainda, que as experiências de simplificação e de desmaterialização administrativas dos últimos anos já mudaram em muitos domínios a relação direta do Estado com os cidadãos e agentes económicos: são exemplos paradigmáticos os setores dos registos, da administração fiscal, da saúde (nomeadamente, a prescrição electrónica) ou dos licenciamentos das atividades económicas (licenciamento zero), onde a digitalização avançou

No plano da transformação do Estado num Estado mais simples, são opções estruturantes de um programa transversal de modernização as seguintes:

  • consagração universal da opção pela administração eletrónica dos serviços públicos (princípio Digital por Regra);
  • massificação do uso dos serviços públicos eletrónicos – na diversidade dos atuais e futuros meios de acesso tecnológicos –, através da aposta permanente em interfaces simples, intuitivos e seguros;
  • adoção de um novo paradigma de atendimento (atendimento digital assistido) que, aproveitando a digitalização universal dos serviços públicos e a generalização de parcerias entre Administração Central, autarquias locais e sociedade civil, permita multiplicar os espaços onde os cidadãos e os agentes económicos tratam, num único ponto de acesso, dos seus assuntos com o Estado;
  • na organização e funcionamento do próprio Estado, racionalizar e, onde possível, centralizar a gestão dos investimentos em tecnologias de informação, com objetivos de poupança e transparência.

Um programa desta envergadura deve ter uma ambição, que é difícil de atingir mas que vale verdadeiramente a pena: fazer do Estado, em Portugal, um Estado pós-burocrático. Menos legiferante, menos regulamentador, menos intervencionista. Mais competitivo, mais orientado para resultados, mais descentralizado e, sobretudo, mais aberto, mais transparente e mais simples para os cidadãos e as empresas.

Um Estado confiável.

5. Fontes

As fontes utilizadas neste documento são: EUROSTAT, INE, Banco de Portugal, Ministério das Finanças – OE 2014, DEO 2013/2017, Relatório PREMAC 2011, Ministério da economia – Estratégia para o Crescimento, Emprego e Fomento Industrial, Secretaria de Estado da Administração Local, OCDE, FMI, artigos de opinião, entre outras.

5.1. Ficheiro Original

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